afirma sua simpatia pelos governos progressistas da região.
“Você tem um encontro marcado com Jean-Luc Mélenchon? A mesa dele é aquela, no fundo, perto da janela”. O dono do restaurante “La Bulle” não esconde o orgulho de ter como cliente o queridinho das pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial francesa, marcada para 22 de abril. O local fica no 10º arrondissement (bairro) de Paris, cinco minutos a pé da sede do PCF (Partido Comunista Francês), projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer.
Mélenchon chega acompanhado de um assessor e um segurança da polícia. Está com fome, exausto, mas feliz. Segundo a última sondagem, do instituto Ifop, o candidato da Frente de Esquerda teria 13% dos votos no primeiro turno. O ex-trotskista, que deixou o PS (Partido Socialista) em 2009 para montar o Partido de Esquerda, saboreia o sucesso.
Mélenchon chega acompanhado de um assessor e um segurança da polícia. Está com fome, exausto, mas feliz. Segundo a última sondagem, do instituto Ifop, o candidato da Frente de Esquerda teria 13% dos votos no primeiro turno. O ex-trotskista, que deixou o PS (Partido Socialista) em 2009 para montar o Partido de Esquerda, saboreia o sucesso.
Leia a segunda parte da entrevista:
Mélenchon: "estamos em uma revolução cidadã, que vai além das eleições"
Mélenchon: "estamos em uma revolução cidadã, que vai além das eleições"
Em 18 de março, demonstrou força atraindo cerca de 100 mil pessoas na praça da Bastilha. O lugar é altamente simbólico: com a nova “tomada da Bastilha”, em referência à Revolução de 1789, ele apela aos eleitores para a “insurreição cívica”. O objetivo? Estabelecer uma “6ª República”. Apelidado pela revista progressista Marianne de candidato “anti-depressão”, Mélenchon conseguiu sacudir uma campanha marcada pelo pessimismo.
Assim que ultrapassou os 10% nas pesquisas, Mélenchon cravou sua meta: contestar, dentro da esquerda, a hegemonia do PS. É por isso que ele recusará qualquer participação em um governo formado por François Hollande. No curto prazo, já tem uma vitória: os temas da Frente de Esquerda se instalaram na campanha eleitoral.
Hollande propôs um imposto de 75% sobre as rendas superiores a um milhão de euros por ano, ideia ausente do programa socialista. Na sequência, o atual presidente, Nicolas Sarkozy, prometeu taxar os “exilados fiscais”, com base no modelo norte-americano. “Eu venci”, comentou Mélenchon, que há muito tempo tem feito campanha por essa medida. No entanto, não é nos Estados Unidos que ele buscou inspiração.
Desde o início dos anos 2000, Mélenchon multiplicou as viagens à América do Sul, curioso para entender com a região, quebrada na década de 1990, reencontrou o caminho do crescimento e da politização das massas. Leia a seguir entrevista exclusiva com Mélenchon para o Opera Mundi, a primeira para um veículo de fora da França.
O senhor teorizou muito sobre o que aconteceu na América do Sul nos últimos 15 anos. Como a Frente de Esquerda se inspira nessas experiências?
Aprendi muito com a América do Sul e não apenas a partir da década passada. O que é fascinante desde a década de 1990 é ver como um sistema entra em colapso, como o argentino e o venezuelano. É um acontecimento imprevisível, mas que cristaliza a situação global. A intensidade da situação pode parecer desproporcional à anterior, mas, na verdade, a sociedade estava pronta para a mudança, sem estar consciente disso. O golpe final é dado pela classe média, revoltada com a desordem capitalista. Um coquetel de eventos previsíveis e acidentais em uma sociedade pressionada pelo liberalismo: é o que espera a Europa, especialmente a França.
Ainda mais do que na Espanha ou na Itália, onde a situação econômica é pior?
Sim, pois a França é o vulcão da Europa, principalmente por causa das tradições revolucionárias. Segundo, porque a classe média salarial não é fragmentada por regionalismos, como em outros países. E, finalmente, porque nós estamos aqui. Nunca alguém como eu, que representa a esquerda da esquerda, e os comunistas, que juntaram apenas 2% dos votos nas ultimas eleições, poderiam sonhar no sucesso atual se não fosse por esse panorama atual.
A situação econômica e social da Europa e da América do Sul são incomparáveis. Como seria na França?
O que me fez pensar foi o papel dado aos pobres nas revoluções na América do Sul, algo que não seria possível aqui. Teorizamos o conceito de "precariado”, palavra que junta "precário" e "proletariado". Trata-se da classe transversal, que vai desde o engenheiro precário até o faxineiro sem contrato estável. Na América Latina, os pobres foram mobilizados. Na França, mobilizaremos os precários, porque se chamássemos os pobres, perderíamos nosso tempo. As pessoas não se reconhecem como pobres em um país com tradição igualitária. Aqui, ninguém começa uma frase com "nós os pobres", como na América do Sul. Este é um problema da velha esquerda: ela só pensa nos trabalhadores com estatuto claro, ela nunca foi capaz de pensar a realidade do “precariado”.
Além disso, fiquei muito impressionado com a articulação entre a luta social e a soberania popular, eixo central das novas constituições. A palavra de ordem do presidente do Equador, Rafael Correa, é a revolução cidadã. Na Bastilha, nosso lema era a insurreição cívica e a revolução cidadã. Talvez tenhamos sido capazes de inventá-lo nós mesmos, não sei. Mas, na realidade, é uma ideia trazida de volta pela América do Sul. O fato de que ela funciona lá nos dá a força e legitimidade para fazer essas propostas aqui.
Concretamente, em qual modelo sul-americano o senhor se inspira?
Me baseei um pouco em todos. Por exemplo, temos estudado muito como a Argentina saiu da crise e como o governo enfrentou os bancos. Também estou interessado nas técnicas de comunicação de [Cristina] Kirchner, uma mistura de silêncio e de confronto com a imprensa. No Brasil, é a própria formação do PT (Partido dos Trabalhadores) que chama a atenção – uma federação com múltiplas pessoas, como a Frente Ampla uruguaia. Foi um modelo para construir a Frente de Esquerda. No Brasil, vemos de perto a mobilização dos pobres. Da Venezuela, o que gostaria de retomar, sem hesitação, é a ideia de uma nova Constituição
Aprendi muito com a América do Sul e não apenas a partir da década passada. O que é fascinante desde a década de 1990 é ver como um sistema entra em colapso, como o argentino e o venezuelano. É um acontecimento imprevisível, mas que cristaliza a situação global. A intensidade da situação pode parecer desproporcional à anterior, mas, na verdade, a sociedade estava pronta para a mudança, sem estar consciente disso. O golpe final é dado pela classe média, revoltada com a desordem capitalista. Um coquetel de eventos previsíveis e acidentais em uma sociedade pressionada pelo liberalismo: é o que espera a Europa, especialmente a França.
Ainda mais do que na Espanha ou na Itália, onde a situação econômica é pior?
Sim, pois a França é o vulcão da Europa, principalmente por causa das tradições revolucionárias. Segundo, porque a classe média salarial não é fragmentada por regionalismos, como em outros países. E, finalmente, porque nós estamos aqui. Nunca alguém como eu, que representa a esquerda da esquerda, e os comunistas, que juntaram apenas 2% dos votos nas ultimas eleições, poderiam sonhar no sucesso atual se não fosse por esse panorama atual.
A situação econômica e social da Europa e da América do Sul são incomparáveis. Como seria na França?
O que me fez pensar foi o papel dado aos pobres nas revoluções na América do Sul, algo que não seria possível aqui. Teorizamos o conceito de "precariado”, palavra que junta "precário" e "proletariado". Trata-se da classe transversal, que vai desde o engenheiro precário até o faxineiro sem contrato estável. Na América Latina, os pobres foram mobilizados. Na França, mobilizaremos os precários, porque se chamássemos os pobres, perderíamos nosso tempo. As pessoas não se reconhecem como pobres em um país com tradição igualitária. Aqui, ninguém começa uma frase com "nós os pobres", como na América do Sul. Este é um problema da velha esquerda: ela só pensa nos trabalhadores com estatuto claro, ela nunca foi capaz de pensar a realidade do “precariado”.
Além disso, fiquei muito impressionado com a articulação entre a luta social e a soberania popular, eixo central das novas constituições. A palavra de ordem do presidente do Equador, Rafael Correa, é a revolução cidadã. Na Bastilha, nosso lema era a insurreição cívica e a revolução cidadã. Talvez tenhamos sido capazes de inventá-lo nós mesmos, não sei. Mas, na realidade, é uma ideia trazida de volta pela América do Sul. O fato de que ela funciona lá nos dá a força e legitimidade para fazer essas propostas aqui.
Concretamente, em qual modelo sul-americano o senhor se inspira?
Me baseei um pouco em todos. Por exemplo, temos estudado muito como a Argentina saiu da crise e como o governo enfrentou os bancos. Também estou interessado nas técnicas de comunicação de [Cristina] Kirchner, uma mistura de silêncio e de confronto com a imprensa. No Brasil, é a própria formação do PT (Partido dos Trabalhadores) que chama a atenção – uma federação com múltiplas pessoas, como a Frente Ampla uruguaia. Foi um modelo para construir a Frente de Esquerda. No Brasil, vemos de perto a mobilização dos pobres. Da Venezuela, o que gostaria de retomar, sem hesitação, é a ideia de uma nova Constituição
Como o senhor vê a Venezuela em ano de eleição? Está preocupado com a saúde do presidente Hugo Chávez?
Claro. Temos divergências com Chávez, essencialmente por causa da relação com o Irã. A teoria de que "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" não é aceitável. Na Europa, pagamos caro por acreditar nisso. Mas isso não tira o papel central de Chávez, sua importância pessoal, liderança. A Venezuela não está preparada para ficar sem ele. Muitas coisas estão em jogo em torno dele.
O senhor foi atacado na França pro causa da amizade com o processo venezuelano e cubano.
Perdi a conta das vezes em que fui atacado em programas de rádio e televisão. Minha escolha pessoal continua sendo a de não ceder. Conheço bem a história: você começa a falar mal da Venezuela e, depois é Cuba, e assim por diante. Não vou cair nessa armadilha. O inimigo não se preocupa com os direitos humanos em Cuba. Se fosse o caso, eles olhariam de perto o que está acontecendo nos EUA. Temos uma dívida com Cuba, o país significa muito para nossa luta. Sem eles, a resistência na América do Sul na época das ditaduras teria sido impossível. O culto à personalidade não me interessa, mas jamais cuspirei em Cuba.
Caso eleito, qual seria o principal eixo de sua política externa?
Hoje, somos os únicos a denunciar o alinhamento da França com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Todos os outros candidatos concordam com essa política, até os socialistas. Eles não têm mais o mínimo senso crítico. Hollande acabou de dizer que é favorável ao escudo antimíssil.
Queremos quebrar a aliança com os EUA. É um país que vai perder a importância, principalmente frente à China. Mas continua sendo a nação mais bem armada do mundo e, portanto, a mais perigosa. Outra questão são as mudanças climáticas; os EUA não fazem nada para resolver o problema. É por isso que a França não pode permanecer acorrentada a um navio naufragando. Vamos propor uma aliança “altermundialista”, com os países emergentes, especialmente os do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
O senhor defende uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a inclusão dos outros países dos Brics?
É algo que não tenho pensado. O que é certo é que queremos fortalecer a ONU contra outros grupos, como o G7 e G20. Acho que a ascensão de países como Brasil e Índia é uma excelente notícia, que irá obrigar as instituições a levarem esses atores levem em consideração, de uma forma ou de outra
Claro. Temos divergências com Chávez, essencialmente por causa da relação com o Irã. A teoria de que "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" não é aceitável. Na Europa, pagamos caro por acreditar nisso. Mas isso não tira o papel central de Chávez, sua importância pessoal, liderança. A Venezuela não está preparada para ficar sem ele. Muitas coisas estão em jogo em torno dele.
O senhor foi atacado na França pro causa da amizade com o processo venezuelano e cubano.
Perdi a conta das vezes em que fui atacado em programas de rádio e televisão. Minha escolha pessoal continua sendo a de não ceder. Conheço bem a história: você começa a falar mal da Venezuela e, depois é Cuba, e assim por diante. Não vou cair nessa armadilha. O inimigo não se preocupa com os direitos humanos em Cuba. Se fosse o caso, eles olhariam de perto o que está acontecendo nos EUA. Temos uma dívida com Cuba, o país significa muito para nossa luta. Sem eles, a resistência na América do Sul na época das ditaduras teria sido impossível. O culto à personalidade não me interessa, mas jamais cuspirei em Cuba.
Caso eleito, qual seria o principal eixo de sua política externa?
Hoje, somos os únicos a denunciar o alinhamento da França com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Todos os outros candidatos concordam com essa política, até os socialistas. Eles não têm mais o mínimo senso crítico. Hollande acabou de dizer que é favorável ao escudo antimíssil.
Queremos quebrar a aliança com os EUA. É um país que vai perder a importância, principalmente frente à China. Mas continua sendo a nação mais bem armada do mundo e, portanto, a mais perigosa. Outra questão são as mudanças climáticas; os EUA não fazem nada para resolver o problema. É por isso que a França não pode permanecer acorrentada a um navio naufragando. Vamos propor uma aliança “altermundialista”, com os países emergentes, especialmente os do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
O senhor defende uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a inclusão dos outros países dos Brics?
É algo que não tenho pensado. O que é certo é que queremos fortalecer a ONU contra outros grupos, como o G7 e G20. Acho que a ascensão de países como Brasil e Índia é uma excelente notícia, que irá obrigar as instituições a levarem esses atores levem em consideração, de uma forma ou de outra
Lamia Oualalou/Opera Mundi
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