Por: Graziella Pogolotti Data: 11-07-2011. Cuba
Muitas vezes se tem comparado com o Mediterrâneo. Ambos são mares fechados onde convergem culturas de vários continentes. Enclausurado por essas culturas, o Mediterrâneo deságua no Oceano por dois canais estreitos, Gibraltar e Suez.
O Caribe articula a terra firme com o extenso arco antillano, em diálogo permanente com o Atlântico.
Tardou muito esse “nosso mar” em tomar consciência de si. Sobre a plataforma originária indígena, se impôs o brutal processo de colonização europeia, que cancelou a memória precedente, fragmentou e balcanizou os territórios. Andaram atrás da quimera do ouro, tentando assegurar vias para o comércio, enquanto convertiam a área em campo de batalha para elucidar contendas enraizadas no Velho Continente.
Talvez o núcleo original da consciência caribenha tenha se cristalizado com as guerras de independência da América Latina. O precursor empenho de emancipação no Haiti lançou pontes de colaboração a Simón Bolívar, que situaria na Jamaica seu célebre chamamento. Em seu próprio tempo, as primeiras conspirações libertárias cubanas, ao amparo da maçonaria, voltaram sua mirada para o México e Venezuela. José Martí reconheceu nas Antilhas o baluarte protetor para toda a América Latina.
Embora entre as ilhas, por obra da necessidade, houvesse uma interconexão histórica, tanto a margem da lei como dentro dela, tangível no contrabando e no translado de populações, às vezes imposta pelas potências dominantes e também pela demanda de mão-de-obra, a consciência de uma condição caribenha não pode conquistar-se através da política. Coexistiam países independentes, com territórios submetidos ao domínio colonial.
Coube aos intelectuais explorar o que há de comum em uma cultura com múltiplos componentes, heterogêneos no lingüístico, no étnico (brancos procedentes de distintas nações europeias, africanos escravizados em várias regiões do continente negro, hindus, chineses e os remanescentes esquecidos da população aborígene) com o conseqüente entrecruzamento de religiões, mitos e imaginários. Essas vozes tardaram muito em deixar-se escutar em um espaço comum de intercâmbio. A balcanização se levantava como obstáculo objetivo nesse terreno.
Em muitos lugares as escassas minorias letradas tinham que transportar-se às metrópoles dominantes para alcançar uma formação universitária. Somente aí existiam as editoras que legitimaram e difundiram os escritores nascidos no Caribe.
Dessa circunstância se desprendia um doloroso processo de redescobrimento e reconquista da própria identidade. É possível supor que a distância propiciara uma perspectiva integradora. Começavam a definir-se traços comuns. Brutal e tecnologicamente mais desenvolvida, a colonização esmagou os aborígenes e cerceou seu provável crescimento autóctone. A necessidade de força de trabalho implantou, com a escravidão, outra forma de violência e criou um abismo entre opressores e oprimidos. Foi o germe de uma resistência cultural que alimentou uma poderosa mitologia, junto com uma enorme riqueza musical e dançante. A antropologia e os estudos folclóricos mostraram a força de uma tradição que se rebelou contra a morte, mantendo-se viva e em constante transformação, com um indiscutível poder contaminante. O Caribe que conhecemos se havia edificado, além do mais, sobre a base estrutural de uma economia de plantação, produtora a baixo custo de matérias primas de origem agrícola, fornecedora e dependente de um mercado internacional de preços variáveis, centrado na Europa e nos Estados Unidos. Este conjunto de fatores abriu a polêmica sobre a real extensão geográfica e cultural do universo Caribe. Para alguns, se tratava apenas do espaço demarcado pelo colar de ilhas antilhanas. Outros reconheciam traços semelhantes na zona continental que abarca as costas da Venezuela, Colômbia, México e a Luisiana nos Estados Unidos.
Disperso, multilíngüe e pluriétnico, o Caribe começa a reconhecer-se a partir de uma construção cultural, obra de poetas, narradores, pintores e músicos. Pouco a pouco, aqui e ali, com as ferramentas forjadas na tradição ocidental, começaram a traduzir em imagens seu entorno imediato. Vincularam o culto e o popular, recuperaram mitos, descreveram costumes e paisagens, salvaram fragmentos de uma memória perdida. E começaram a descobrir relações de parentesco e interdependência. Endógeno, surgido da vontade de traçar um perfil próprio, o projeto foi amadurecendo ao longo do século XIX. Os escritores se introduziram em editoras prestigiosas, os músicos da cuenca invadiram os cenários da Europa e Estados Unidos. Os pintores ingressaram nos museus. Assim, começou a forjar-se uma grande família que passou por cima das barreiras da balcanização. O olhar dos escritores transpassou as fronteiras de corais das ilhas. Para citar um exemplo paradigmático, Carpentier foi de Ecué Yamba-O a El Reino de este Mundo para iniciar então, retomando ao contrário a história oficial eurocêntrica, a grande saga do Caribe. Apesar destas conquistas, descolonizar as mentalidades é uma tarefa difícil.
A Academia descobriu um filão no universo que estava tomando forma. Abriram-se cátedras em universidades de alta classificação. Organizaram-se congressos e divulgaram-se teses de doutorado. Porém a Academia não é um límpido laboratório de conhecimentos, ao modo da Abadía sonhada por Rabelais. Seus próprios mecanismos internos a conduzem a forjar modelos, a estabelecer modas e escolas de pensamento. Muitas leituras fogem da complexidade e não escapam a certa visão inconscientemente folclorizante, percebida como imagem congelada e não como fonte viva de criação popular. É o reflexo de um Caribe turístico.
Seus habitantes e sua cultura completam um paraíso decorado de eterno verão para desfrute de sol, praia e sensualidade.
O Caribe, ao contrario, se integra a uma prolongada e dramática história de luta do ser humano por construir espaço próprio, na confrontação entre vida e morte, ante os insondáveis segredos do universo. Mito e história se entrecruzam na incessante busca de sentido.
Ocorre como se no princípio de tudo houvesse estado Cristóvão Colombo. A comemoração dos quinhentos anos de encontro entre os dois mundos deveria ter levado a repensar questões fundamentais sobre as peculiaridades de nosso processo histórico e suas repercussões no campo de nossa cultura, da dinâmica específica de um ciclo de inter-relações ainda não encerradas. Há que retomar as origens para entender as forças centrípetas e centrífugas que operam em nosso contexto, obras de antes da colonização e os ataques de um mercado planetário atualmente.
A aventura de Antonio Núñez Jiménez do Amazonas ao Caribe demonstrou na prática como foi factível uma emigração de índios arahuacos desde o mais profundo do Continente até o arco antilhano. Dois volumes coletados recontam essa façanha. Contém observações científicas de variada natureza, incluindo as antropológicas e culturais. A travessia pelos grandes rios revela a existência daquilo que poderia denominar-se uma cultura da mandioca, mais elaborada, porém coincidente com a que encontraram os europeus nas ilhas.
O segundo volume, publicado recentemente pela Editorial de Ciencias Sociales, aborda a análise do perfil de cada fragmento do extenso colar antilhano. A perspectiva do autor se modificou ligeiramente. Sem desdenhar as coordenadas geográficas, refere-se ao processo histórico de cada Antilha depois da conquista, considera línguas, religiões, diversidade de povoamentos sucessivos, detém-se no funcionamento da economia real e, valendo-se de sua formação de espeleólogo, explora cavernas e revela a afinidade existente entre todas elas, vinculadas também a expressões rupestres conhecidas em Cuba desde muito antes.
Adverte assim o fundo de uma cultura comum, com diferenças relativas na realização, porém que permite avançar hipóteses acerca do culto aos mortos e sua conseqüente criação mítica. Para os indígenas chegados do continente, o universo caribenho, atravessado por furacões e estremecido por terríveis erupções vulcânicas devia colocar inúmeras questões. É provável que a chegada das caravelas de Colombo os tenha surpreendido em uma longa marcha em caminho de outras terras de promissão.
El estudio de Núñez Jiménez ofrece datos valiosísimos para profundizar en el conocimiento del mundo que nos rodea, cargado todavía de misterios aparentemente inescrutables, requeridos de un acercamiento interdisciplinario. Así ocurre, por ejemplo, con representaciones artísticas que por su ejecución y su simbología sugieren parentesco con expresiones similares de los Andes peruanos. Porque nada indica el posible traslado de pobladores procedentes de esa zona, cabría preguntarse si estamos ante testimonios de un estremecimiento telúrico de fecha indeterminada.
O estudo de Núñez Jiménez oferece dados valiosíssimos para aprofundar no conhecimento do mundo que nos rodeia, carregado ainda de mistérios aparentemente inescrutáveis, que requerem uma aproximação interdisciplinar. Assim ocorre, por exemplo, com representações artísticas que por sua execução e sua simbologia sugerem parentesco com expressões semelhantes a dos Andes peruanos. Como nada indica o possível translado de povoadores procedentes dessa zona, caberia a pergunta se estamos ante o testemunho de um estremecimento telúrico de data indeterminada.
A aventura de Antonio Núñez Jiménez do Amazonas ao Caribe demonstrou na prática como foi factível uma emigração de índios arahuacos desde o mais profundo do Continente até o arco antilhano. Dois volumes coletados recontam essa façanha. Contém observações científicas de variada natureza, incluindo as antropológicas e culturais. A travessia pelos grandes rios revela a existência daquilo que poderia denominar-se uma cultura da mandioca, mais elaborada, porém coincidente com a que encontraram os europeus nas ilhas.
O segundo volume, publicado recentemente pela Editorial de Ciencias Sociales, aborda a análise do perfil de cada fragmento do extenso colar antilhano. A perspectiva do autor se modificou ligeiramente. Sem desdenhar as coordenadas geográficas, refere-se ao processo histórico de cada Antilha depois da conquista, considera línguas, religiões, diversidade de povoamentos sucessivos, detém-se no funcionamento da economia real e, valendo-se de sua formação de espeleólogo, explora cavernas e revela a afinidade existente entre todas elas, vinculadas também a expressões rupestres conhecidas em Cuba desde muito antes.
Adverte assim o fundo de uma cultura comum, com diferenças relativas na realização, porém que permite avançar hipóteses acerca do culto aos mortos e sua conseqüente criação mítica. Para os indígenas chegados do continente, o universo caribenho, atravessado por furacões e estremecido por terríveis erupções vulcânicas devia colocar inúmeras questões. É provável que a chegada das caravelas de Colombo os tenha surpreendido em uma longa marcha em caminho de outras terras de promissão.
El estudio de Núñez Jiménez ofrece datos valiosísimos para profundizar en el conocimiento del mundo que nos rodea, cargado todavía de misterios aparentemente inescrutables, requeridos de un acercamiento interdisciplinario. Así ocurre, por ejemplo, con representaciones artísticas que por su ejecución y su simbología sugieren parentesco con expresiones similares de los Andes peruanos. Porque nada indica el posible traslado de pobladores procedentes de esa zona, cabría preguntarse si estamos ante testimonios de un estremecimiento telúrico de fecha indeterminada.
O estudo de Núñez Jiménez oferece dados valiosíssimos para aprofundar no conhecimento do mundo que nos rodeia, carregado ainda de mistérios aparentemente inescrutáveis, que requerem uma aproximação interdisciplinar. Assim ocorre, por exemplo, com representações artísticas que por sua execução e sua simbologia sugerem parentesco com expressões semelhantes a dos Andes peruanos. Como nada indica o possível translado de povoadores procedentes dessa zona, caberia a pergunta se estamos ante o testemunho de um estremecimento telúrico de data indeterminada.
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