Recentemente ocorreu em Havana uma reunião da Articulação Regional dos Afrodescendentes da América Latina e Caribe, em que participaram importantes personalidades intelectuais cubanas e da região, defensores dos direitos dos afrodescendentes e contra o racismo e a discriminação racial em nosso continente.
Dentre os pesquisadores, estudiosos e especialistas cubanos, estava o doutor em Ciências e diretor honorário do Centro de Estudos sobre Estados Unidos da Universidade de Havana, Estaban Morales Dominguez, que concedeu entrevista ao Periódico Cubarte sobre o evento e o tema da racialidade na Cuba atual.
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O racismo está em nossas mentes, em nossa formação e em nossa cultura
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" Antillalandia ". Serigraphia. Francisco Rivero
Desejaria destacar dois momentos desta entrevista que são os seguintes:
Poderia parecer que em Cuba as coisas são mais fáceis
O medo ao negro existe, isso vem porque é a atitude ante o outro, é como se forma o estereótipo; você tem que aceitar o outro, porém isso é um processo de aprendizagem, de educação.Em meio a essas circunstâncias muita gente não entende o outro, é uma atitude ante o outro e muitas vezes as pessoas desenvolvem um medo determinado; e se esse processo está ligado a que essa pessoa de outra cor compete com você em algo, isso se exacerba. Houve um momento aqui em que nós não tinhamos esse problema, porque todos os que estudávamos na universidade, ao nos graduarmos recebiamos uma indicação de trabalho; porém o problema começou a emergir agora, quando cada um tem que buscar trabalho, e o racismo é também um instrumento de poder para desmerecer o outro, a fim de que não haver competição.
É um fenômeno com muitas arestas, muitas das quais, as vezes nós nem conhecemos e que não são iguais em todas partes. Em Cuba o racismo não aparece com facilidade, é mais dificil porque não se manifesta claramente e você vê muita fraternidade e solidariedade entre as pessoas, porém isso não quer dizer que não haja preconceito racial; sim, há, porém mais oculto, e aparecem quando se apresenta a circunstância. É um processo bem complexo, delicado, não é somente que o negro e o mestiço estejam economicamente igual ao branco, isso não basta; a igualdade econômica não é suficiente, não elimina o racismo.Nos Estados Unidas há negros milionários que vivem nos bairros nobres dos brancos e que são tão discriminados como os outros.
São processos muito complexos contra os quais há que lutar; a nossa discriminação é pela cor que traz implícito um conjunto maior de subjetividades. Poderia parecer que em Cuba as coisas são mais fáceis, porém não é assim, porque é uma questão de sutilezas que não se podem identificar tão facilmente. Este fenômenos nos desmerecem, nos fazem retroceder aos piores lugares, são coisas com as quais temos que acabar para que esta sociedade se desenvolva sobre a base de um projeto social que deixe todas essas amarras para trás.
O racismo ultrapassa a estrutura de classe, a estrutura social e o modo de produção
Este movimento que nós ao princípio não entendíamos, que dizíamos que não éramos afrodescendentes, que nos negávamos a aceitar que os norteamericanos nos chamassem de afrocubanos, é uma coisa que se foi compreendendo e vendo o elemento de positividade tão extraordinário que tem articular nossa luta, porque nós temos experiências para aportar, embora só isso, pois nem em um processo de construção socialista é possível acabar com o racismo, porque o racismo ultrapassa a estrutura de classe, a estrutura social, o modo de produção; o racismo é um monstro com mil tentáculos que simplesmente quando você corta um, outro assume o papel do que não está; é um fenômeno muito difícil de desarticular e de derrotar, e há que fazê-lo com muita inteligência.
Nós podemos demonstrar que não é suficiente acabar com o capitalismo para acabar com o racismo. Quando em 1886 se aboliu a escravidão, embora não existisse oficialmente, seguiu ocorrendo. O racismo não vai ser abolido, pelo contrário, o que ocorreu em nosso país fooi que em anos promissores de desenvolvimento, se ocultou, e emergiu depois no meio da crise. Não podemos pensar que desapareceu, está em nossas mentes, em nossa formação e em nossa cultura.
Ainda não se fala de cor em nossas escolas, nem se estudam os problemas da racialidade nas universidade; ainda não existe uma articulação intelectual investigação-meios, essa que tem que existir para que um tema avance desde o ponto de vista social a partir de que tem uma base científica que o estuda, uma pessoa preparada que o conhece e um meio que o divulga, e isso faz muita falta.
Temos que seguir avançando neste sentido porque é algo que já afeta a consolidação do projeto social da Revolução, que é um projeto de igualdade e de equidade; até em termos elementares não levávamos em conta a cor das pessoas e se sabe inclusive que há doenças que atacam mais aos negros que aos brancos.
Temos ainda muitos preconceitos, muitos problemas, que 53 anos de Revolução, por muito radical que tenha sido - e eu creio que foi, apesar dos problemas que temos agora - , não são suficientes para extirpar do corpo social um fenômeno que existe há mais de 500 anos, e é extraordinariamente importante combater com todas as armas culturais, educacionais, ideológicas, políticias e sociais contra isso, porqué se está em uma circunstância na qual ameaça reinstalar-se na macro consciência da sociedade cubana.
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