De “terrorista” e “inimigo público número 1”, o ex-deputado baiano do Partido Comunista do Brasil Carlos Marighella morto por uma emboscada dos órgãos de repressão sob o comando do delegado Sérgio Paranho Fleury, em 1969, foi exaltado como herói nacional, que enfrentou duas ditaduras, ao ter a anistia “post mortem” aprovada na noite dessa segunda em Salvador, pela sessão da 53ª Caravana da Anistia, projeto do Ministério da Justiça cujo objetivo é reparar os crimes cometidos pelo último regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.
A Comissão da Anistia se reuniu num lotado Teatro Vila Velha, no contro da capital baiana e apresentou as mais profundas desculpas do Estado brasileiro a Carlos Augusto Marighella, filho, e à viúva Clara Charf pela morte do ex-deputado e a satanização de seu nome ao longo da história recente do País. O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que não pode comparecer ao evento, gravou um vídeo, exibido durante o julgamento simbólico da anistia, em que também se refere a Marighella como herói da resistência à ditadura e pede desculpas em nome do governo pela perseguição política e assassinato perpetrado pelo Estado. A cerimônia contou com as participações do governador da Bahia Jaques Wagner (PT), dos senadores João Capiberipe (PSB-AP) e Lídice da Mata (PSB-BA), além de vários deputados e militantes de esquerda.
Na ausência do presidente da Comissão da Anistia Paulo Abrão Júnior (que está doente), a sessão foi presidida pelo vice Edmar Oliveira e a conselheira Ana Guedes foi a relatora do pedido de anistia post mortem. Ela leu uma pequena biografia sobre a vida de Marighella, relembrando sua participação como membro ativo do PC doB, suas prisões sob a ditadura de Getúlio Vargas e a ocorrida no último regime militar. Comparou a luta do ex-deputado contra a opressão e a liberdade com de um dos ícones da história do Brasil, Zumbi dos Palmares. Disse que assim como Zumbi, Marighella tem “seu nome cravado como herói do povo brasileiro” e assinalou ser uma obrigação não só a anistia como a recuperação da dignidade do homenageado que a ditadura tentou destruir. Os outros dez membros da comissão aprovaram por unanimidade a proposta.
Um dos momentos mais emocionantes foi quando Clara Charf foi chamada para falar como testemunha de defesa do marido. Em vários momentos ela não conteve as lágrimas ao lembrar de passagens da vida de Marighella. Fez questão de lembrar, principalmente, seu lado humano e sensível. “Ele dividia até as tarefas domésticas e adorava brincar com as crianças das famílias que nos hospedavam quando estávamos na clandestinidade, era uma pessoa profundamente humana”. O senador João Capiberibe foi a outra testemunha de defesa reforçando a tese que a “satanização” do nome de Marighella pelos governos militares representa a “satanização” de todos os brasileiros que lutaram contra a opressão. Aproveitou para pedir o apoio da Comissão da Anistia para tentar mudar o nome de uma das alas do Senado, batizada como “Felinto Muller”, o comandante da repressão do governo Vargas.
No final da cerimônia, Carlinhos Marighella pediu ajuda dos presentes e, em especial do governador Wagner, para se criar em Salvador o “Memorial Carlos Marighella” justamente para esclarecer às novas gerações que, ao contrário do que se tentou carimbar, o ex-deputado e militante comunista não era um “terrorista” ou um “facínora”. “É preciso desmistificar essa mentira”, cobrou sendo muito aplaudido. Em reposta Wagner se comprometeu a ajudar na criação do memorial, informando que o governo está procurando um imóvel no centro de Salvador para instalá-lo. O governador chegou a ser interrompido no seu discurso quando manifestou sua tese de que se deveria condenar o regime militar e não individualizar culpados. Pareceu uma resposta aos gritos da platéia de “cadeia para os torturadores”. No momento em que falava sobre sua tese a respeito de que “a penalização individual por si só não é resgate maior” das vítimas da ditadura, alguém da plateia gritou: “prisão para os gorilas”.
Biaggio Talento. Journal . A Tarde
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