lundi 1 septembre 2014

Carisma e carismáticos: que energia é essa? Leonardo Boff









31/08/2014

Nestes tempos de campanha eleitoral, surgem figuras de todo tipo. Mas poucos são aqueles que irradiam energia contagiante, suscitam um novo imaginário e movem as massas. Esses são os portadores de carisma.
Carisma, carma, Crishna, Cristo, crisma e caritas possuem a mesma raiz sâncrita kri ou kir. Ela significa a energia cósmica que tudo acrisola e vitaliza, tudo penetra e rejuvenesce, força que faz atrair e fascinar os espíritos. A pessoa não possui um carisma. É possuída por ele. A pessoa, sem mérito pessoal nenhum, vê-se tomada por uma força que irradia sobre outras, fazendo que fiquem estupefactas; se estão falando, se calam, se estão se entretendo com alguma coisa, param para prestar atenção à pessoa carismática.
O carisma é algo surpreendente. Está nos seres humanos, mas não vem deles. Vem de algo mais alto e superior. Nietzsche conta que passeando pelos Alpes, era tomado por uma força que o fazia escrever. Era outro que se servia dele. Tomava seu canhenho e nele escreveu o melhor de suas intuições.
Os antropólogos introduziram um palavra tirada da cultura de Melanésia: o mana. A personalidade-mana irradia um poder extraordinário e irresistível que, sem violência, se impõe aos demais. Atrái, entusiasma, fascina, arrasta. É o equivalente de carisma na nossa tradição ocidental.
Quem são os carismáticos? No fundo, todos. A ninguém é negada essa força “cósmica”de presença e de atração. Todos carregamos algo das estrelas de onde viemos. A vida de cada um é chamada para brilhar, no dizer de um cantor. É carismática de uma forma ou de outra. José Marti, pensador cubano dos mais argutos da América Latina, bem dizia:”Há seres humanos que são como as estrelas: geram sua própria luz, enquanto outros refletem o brilho que recebem delas”. Alguns são Sol, outros, Lua. Ninguém está fora da luz, própria, ou refletida. Em fim, estamos todos na luz para brilhar.
Mas há carismáticos e carismáticos. Há alguns nos quais esta força de irradiação implode e explode. É como uma luz que se acende na noite. Atrai os olhares de todos.
Pode-se fazer desfilar todos os bispos e cardeais diante dos fiéis reunidos. Pode haver figuras impressionantes em inteligência, capacidde de administração, zelo apostólico. Mas o olhar de todos se fixa sobre Dom Helder Câmara enquanto estava ainda entre nós. Porque era portador eminente de carisma. A figura é irrisória. Parece o servo sofredor sem beleza e ornamento. Mas dele saía uma força de ternura unida ao vigor da palavra que se impunha suavemente a todos.
Muitos podem falar. E há bons oradores que atraem a atenção. Mas deixem o bispo emérito de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, falar. A voz é rouca e às vezes quase desaparece. Mas nela há tanta força e tanto convencimento que as pessoas ficam boquiabertas. É a irrupção do carisma que faz de um bispo frágil e fraco parecer um gigante. E hoje quase não podendo falar por causa de forte Parkson, sua escrita ou seus poemas tem a força do fogo. É um exímio poeta.
Há políticos hábeis e grandes administradores. A maioria maneja o verbo com maestria. Mas façam o Lula subir à tribuna, diante das multidões. Começa baixinho, assume um tom narrativo, vai buscando a trilha melhor para a comunicação. E lentamente adquire força, as conexões surpreendentes irrompem, a argumentação ganha seu travejamento adequado, o volume de voz alcança altura, os olhos se incendeiam, os gestos ondulam a fala, num momento o corpo inteiro é comunicação, argumentação e comunhão com a multidão que de barulhenta passa a silenciosa e de silenciosa a petrificada para, num momento culminante, irromper em gritos e aplausos de entusiasmo. É o carisma fazendo sua irrupção. Pouco importa a opinião que pudermos fazer de seus 8 anos de governo. Nele não se pode negar a presença do carisma.
Não sem razão Max Weber, o grande estudioso do poder carismático, chamou-o de estado nascente. O carisma como que faz nascer, cada vez que irrompe, a criação do mundo na pessoa carismática, ou personalidade-mana. A função dos carismáticos é a de serem parteiros do carisma latente dentro das pessoas. Sua missão não é dominá-los com seu brilho, nem seduzi-los para que os sigam cegamente. Mas despertá-los da letargia do cotidiano. E, despertos, descobrirem que o cotidiano em sua platitude guarda segredos, novidades, energias ocultas que sempre podem acordar e conferir um novo sentido e brilho à vida, à nossa curta passagem por esse universo.
Que cada qual descubra a estrela que deixou sua luz e seu rastro dentro dele. E se for fiel à luz, brilhará e outros o perceberão com entusiasmo.











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